February 22, 2007

Não que seja fácil...


Nunca quis escrever sobre isso, sempre considerei uma das minhas angústias e medos mais bem guardados. Só resolvi finalmente compartilhar publicamente pois tem horas que não conseguimos lidar com sentimentos, ainda mais quando os deixamos trancados no peito. Se é pra manusear, que seja com cuidado.


Uma das lembrandas mais felizes de infância era quando minha avó me levava para a escola com ela. Lembro-me bem de ver o carinho daquelas crianças com ela, do corrimão largo e azul, estilo colonial, do quadro negro grande, de ponta à ponta da sala de janelas amplas e do suco de maracujá da sala dos professores. Também tinham os pratos, talheres e cabequinhas, todos de plástico, onde serviam as merendas, sempre muito deliciosas. Eu sempre repetia, nunca me contentava com só um pouquinho. Quando chegávamos em casa minha avó entrava no quarto da mãe dela, quarto este o mais escuro da casa, que cheirava à não sei o que, mas só sei que não era muito agradável, como cheiro de lã molhada que secou e molhou denovo, várias vezes. Minha bisa, desde quando eu me entendo por gente pequena, ficava deitada naquela cama, sempre meio que encolhida, as pernas encolhidas, gorrinho de lã na cabeça, pele muito enrrugada, voz trêmula. Poucos anos antes ela não era assim, a esclerose veio como uma avalanche sobre ela, limitando-a. Uma mulher que antes era mais do que maravilhosa agora estava numa cama, usava fraldas geriátricas, não comia nem se banhava sozinha. Eu, mesmo pequena, conseguia perceber as sutis pioras de seu estado. Numa semana ela arranhava minha avó durante o banho, noutra ela a xingava de ingrata, na seguinte ela passava a gritar e morder. Tinha sim momentos de lucidez, comigo eram muitos, acho que minha presença a acalmava. Sempre que entrava no quarto dela ela dizia, mesmo sem poder me enxergar: "Quem está aí? É a minha santinha?" Quanto amor eu sempre tive, até mesmo depois de seu falecimento.


Hoje em dia, minha principal preocupação é com a minha avó. Ela viveu uma vida em busca de progessos pessoais, principalmente depois que minha bisa faleceu e ela começou a administrar melhor sua vida, afinal ela nunca colocou sua mãe em asilos ou casas de repouso. Para melhorar seu temperamento difícil e exercitar suas virtudes ela passou a frequentar a Seicho-No-Ie, todos nós percebemos as melhoras e eu sempre ia com ela. Era mais capaz de sorrir, de perdoar, de amar, de demonstrar seus sentimentos. Claro, não foi de um dia para outro. Anos se passaram, a idade veio chegando e minha avó, mulher sempre extremamente vaidosa, que nunca saiu de casa sem pó, blush, batom, lápis e rímel, começou a ter muito medo da velhice, talvez por trauma de ter visto sua mãe do jeito que viu, entre outras muitas coisas. Desde sempre eu ia com ela à esteticista, a Hortência, que sempre foi grande amiga dela. Quando já estava mais crescidinha eu também comecei a fazer limpezas de pele com ela. Ano passado entrou numa fase de tratamentos alternativos que levou todas nós (eu, minha mãe e minha tia) junto, ela fazia acumputura, massagens, drenagens linfáticas e o salão de beleza era ritual. Daí ela fez uma plástica no nariz, começou a dar credibilidade máxima à sua médica (ela começou a frequentar muitos médicos, de inúmeras especialidades) que quase a convenceu de fazer uma lipo-escultura!


Vejam bem, nós, eu, mamãe e minha tia, não ligamos dela se cuidar. Mas tem um fator chave: ela cuida apenas do corpo e quase nada da mente. Depois de ter se aposentado das aulas ela nunca mais leu um livro por inteiro, começou a cuidar só do seu exterior, a acreditar em tudo que lhe falavam como por exemplo que aveia engorda (por isso jamais comia) e que ginkgo biloba era bom pra memória (então tomava religiosamente há anos). Fechou-se num mundo onde Padre Marcelo era (é) Deus, onde qualquer um que tropeçasse na vida era um imprestável, tornou-se mestra em recitar suas verdades e moralismos e usava argumentos completamente ridiculamente infundados apenas para dar suporte ao seu ponto de vista, como da vez que comprei um refrigerante de limão para nós e um suco para ela, pois tendo cistite não poderia consumir coisas muito ácidas para evitar crises e dores. Então ela disse: "Vou tomar Sprite sim, pois laranja que é ácido, limão não me faz mal." Uma mulher que foi professora a vida toda me dizendo algo assim? Ela passou muito mal depois de tomar o refrigerante.


Daí, analisando tudo que tenho presenciado, todos os detalhes do dia-a-dia, da convivência, percebo que ela está para trilhar (se é que já não está trilhando) o mesmo caminho da minha bisa. Minha tia teve uma conversa séria com ela semanas atrás sobre seu descuido com a mente, os problemas futuros, o processo de adequação dela à velhice e muito mais, sobre realizar coisas. Conversa de filha para mãe. O resultado? Ela, que não tem a menor coordenação nem para andar de esteira (sério isso), que já perdeu muito do seu reflexo, que não consegue mais ficar de boca fechada e arruma briga no trânsito chamando qualquer um que seja barbeiro de drogado, malandro, maconheiro (juro!), botou na cabeça que quer voltar a dirigir, depois de mais de 30 anos longe de um volante pois um dia bateu o carro e pegou trauma da direção. Alguém aí acha que isso vai dar certo?


O duro é que não posemos ficar tão em cima pois as escolhas são dela. Nós apenas podemos orientar, mas jamais forçá-la a fazer algo que ela não goste, não queira ou simplesmente ache inútil. Ela não aceita a velhice, as limitações, não se cuida como deveria, gasta rios de dinheiro com tratamentos estéticos e nem 1 real com tratamentos para que não seja arrebatada por uma esclerose ou até mesmo Alzheimer! Difícil situação, bem difícil.

4 comments:

Lubi said...

Passando correndo. São 14:45 e eu ainda nem almocei!
... Só pra dizer que eu estou MOR-REN-DO de saudade de vocês!
Beijo.

Lubi said...

Voltando:
Sabe, Sagá, mesmo tendo ainda 20 anos, eu já senti muito medo de envelhecer, por causa de todas as limitações que nos são impostas. Limitações essas que vêm da juventude. Sempre senti muito medo de ir perdendo a memória, esquecer tantos momentos bons. Daí, percebi que para isso não acontecer deveria ir me regrando de agora, cuidando da mente, cuidando do corpo (não exageradamente)...
Imagino o que você deve estar passando mesmo nunca tendo experimentado.

*

É sério, marca alguma coisa pra semana que vem. Mesmo que seja só um sorvetinho no parque. Hahaha. =) É que tô com saudade de você.

*

Aly, cadê você, fia?!

Beijo.
=*

Anonymous said...

Oi, Sagá!

Desculpe pelo sumiço!
Mas é que não tive tempo de ler ainda o texto. Prometo ler todinho, viu?! Tá meio corrido aqui!


Bjo, bjo. bjooooooooooooo!

Bridget said...

Tenho 26 anos e morro de medo de envelhecer...mas a nossa mente é tudo, realmente não adianta vc cuidar somente do corpo,e esquecer da mente.... minha avó teve mal de alzheimer, sei o qto foi dolorido pra minha mãe, pq ela morava em BH e não podia vê-la sempre, mas a vida é assim,né... espero que vcs consigam colocar na cabeça dela q ela tem que não ver somente o externo e sim o interno q acaba até sendo mais importante... Bjus!!!